Uma operadora de plano de saúde não pode cancelar um contrato unilateralmente, sem a devida notificação à outra parte. Assim decidiu uma sentença do 8º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luís, confirmando decisão liminar proferida em favor do autor no início do processo. Trata-se de uma ação, tendo como parte requerida a Qualicorp Administradora de Benefícios S/A e a Bradesco Seguros, na qual a parte autora declara que, devido a uma crise financeira enfrentada e agravada pela pandemia do Covid-19, houve a inadimplência das parcelas 02/2020 e 03/2020, fato este, que resultou na suspensão do plano de saúde seguido do cancelamento no mês de abril de 2020.
Relata que não lhe foi apresentada nenhuma possibilidade de negociação dos débitos existentes, além de não ter sido realizada nenhuma notificação oficial pela empresa ré. Dessa forma, requereu liminar no sentido de reativar o plano de saúde, parcelando o valor das mensalidades em aberto, o que foi concedido. Na contestação, a requerida Qualicorp fundamentou defesa na tese do exercício regular do direito. Afirmou que não houve qualquer negligência ou cometimento de ato ilícito por parte do plano de saúde, sendo certo que o cancelamento do contrato foi realizado dentro das normas inerentes ao caso. A Bradesco Seguros alegou não ter ingerência na condução do contrato.
Segue alegando que o cancelamento do contrato firmado entre as partes se deu em razão da ausência do pagamento da mensalidade do plano, referente aos meses de fevereiro e março de 2020. Ressaltou que desconhece norma que a obrigue a cancelar o plano apenas após 60 dias de inadimplência, requerendo pela improcedência da demanda. “O ponto central da questão reside em averiguar as questões inerentes ao cancelamento do plano de saúde do autor, observando se foi obedecido o que é previsto na Lei nº 9.656/98 e no contrato firmado entre as partes, bem como nos entendimentos e orientações da Agência Nacional de Saúde”, fundamenta a sentença, frisando que tal demanda deve ser resolvida à luz do Código de Defesa do Consumidor.
ROMPIMENTO UNILATERAL
Para a Justiça, conforme se verifica nos documentos anexados ao processo, ficou comprovado que houve rompimento ilegal do vínculo contratual por culpa da requerida, pela ausência de notificação previa do débito, antes da suspensão dos serviços, a fim da parte justificar-se quanto ao fato. “Os contratos individuais de assistência médica devem obedecer o que diz a Lei nº 9.656/98, que veda a suspensão ou rescisão unilateral do contrato, salvo nas hipóteses de fraude comprovada ou não pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias”, ressalta, frisando ser obrigatória a prévia notificação do usuário do plano de saúde para que possa evitar a resolução do contrato.
E segue; “Em que pese a alegação da empresa, de que houve a devida notificação, a mesma não detém validade, vez que a própria requerida afirma que não houve confirmação do recebimento das notificações (…) Estabelecidas essas premissas é de se concluir que competia às requeridas, para a suspensão ou rescisão unilateral do contrato, a demonstração de que o requerente foi regularmente notificado do débito em aberto para que pudesse regularizar a ocorrência, o que não foi feito (…) Feitas as considerações supra, a situação apresentada nos autos se trata de tema deveras delicado e requer um equilíbrio interpretativo entre os princípios do direito civil, as normas constitucionais e aquelas previstas no código consumerista, vez que estamos diante de relação de consumo”, pondera.
O Judiciário observa que, diante da crise econômica, muitos segurados, pela impossibilidade de eventuais acordos na seara administrativa, acabam por buscar entrar na Justiça com a intenção de evitar o cancelamento dos planos de saúde, em momento em que mais precisam manter sua condição de segurado. “Ainda, não se pode ignorar que muitos figuram na condição passiva de devedores de boa-fé, porquanto, sempre honraram seus compromissos financeiros, entretanto, acabam se encontrando na posição de devedor por caso fortuito”.
E decide: “Assim, sopesando os direitos envolvidos e os princípios basilares do contrato e do CDC, e a luz da Súmula 608 do STJ, entende-se que a análise do caso vertente aponta para a existência de perigo de dano irreparável o autor, ao ficar descoberto pelo atendimento médico do plano de saúde em um momento extraordinário de pandemia (…) Há de se confirmar a liminar já deferida, determinando que a requerida restabeleça o plano de saúde do autor, oportunizando ao mesmo o parcelamento do débito, bem como condeno, ainda as requeridas a pagar, a parte autora, quantia de 2 mil e 500 reais, a título de danos morais”.
Fonte: Assessoria de Comunicação da Corregedoria Geral da Justiça